Enquanto o Flamengo tropeça nas próprias pernas e vive a expectativa de saber se irá ou não conseguir a vaga para a Copa Libertadores de 2012 - há pouco tempo dada como certa-, o clube comemora nesta quarta-feira um dos capítulos mais bonitos de sua história. Há exatos 30 anos Zico, Junior, Andrade, Adílio e companhia derrotavam o Cobreloa, do Chile, por 2 a 0, e traziam o mais importante troféu sul-americano para a Gávea.
Naquela noite de 23 de novembro, em que uma verdadeira aula de futebol conseguiu transformar em rubro-negro até quem não dava a mínima pelo esporte, não se encerrava apenas mais uma história de um time capaz de se impor diante de seus adversários. Era o fim de uma epopeia. Dessas que, por algum fenômeno quase inexplicável, são contadas com um enorme nível de detalhamento mesmo por aqueles que sequer sonhavam nascer.
"O reconhecimento é extremamente prazeroso. É um retorno positivo do meu trabalho pelo Flamengo e por todos os clubes pelo qual eu passei. Prova que sou uma lenda viva no futebol brasileiro. Sei que, enquanto existir o mundo e enquanto existir o Clube de Regatas do Flamengo, tudo o que fiz jamais será esquecido", diz Nunes, o ' artilheiro das decisões', emocionado.
Tanta admiração é mais do que justificada. Com um futebol vistoso, o Flamengo passou por equipes tradicionais como o Atlético-MG [mais sobre este jogo no fim do texto], o Cerro Porteño e o Olímpia, ambos do Paraguai, entre outras, e chegou àquela decisão com status de favorito. Com dois gols de Zico e os gritos dos cerca de 93 mil torcedores que foram ao Maracanã, o time venceu por 2 a 1 e deu o primeiro passo rumo ao título. O atacante Merello, de pênalti, descontou para os visitantes.
A partida em campos cariocas foi realizada em uma sexta-feira 13, mas, por ironia do destino, seria o jogo seguinte que guardaria um enredo digno de filme de terror. Inferiores, os chilenos aproveitaram-se da complacência da arbitragem para tentar minimizar a diferença técnica na base da violência. Em um Estádio Nacional do Chile superlotado (estimam-se 65 mil pessoas presentes), o Rubro-Negro - que precisava de apenas um ponto para ser campeão - conseguiria muitos mais. Pelo corpo.
O zagueiro Mario Soto, com uma pedra na mão, desferia golpes contra os jogadores do Flamengo, que pouco podiam fazer. Adílio rompeu o supercílio e deu tons de vermelho sangue à camisa branca usada na ocasião. Lico, o mais castigado, além de ter a testa aberta e quase ficar cego, perdeu dois dentes. Já Júnior foi brutalmente pisado enquanto estava caído e passou ostentar as marcas das chuteiras adversárias na perna. Nesse cenário de guerra, era difícil imaginar qualquer resultado que não fosse a derrota. Ela quase foi evitada, mas, aos 28 do segundo tempo, Vítor Merello bateu falta de longe, a bola desviou em Leandro, e morreu nas redes de Raul: 1 a 0. O campeonato seria decidido em jogo extra, no Uruguai.
"Eles começaram a tentar definir as coisas fora de campo. Quando chegamos ao estádio bateram no nosso ônibus, e os policiais deram "pescoções" na gente e ameaçaram soltar os cachorros. Dentro, a estratégia deles era fazer com que algum de nossos jogadores fosse expulso. Tínhamos que apanhar e ficar na nossa, pois sabíamos que seríamos punidos caso revidássemos. Aquele também foi um jogo de inteligência", relata Adílio.
Local da final da Copa do Mundo de 1930, o Estádio Centenário de Montevidéu também seria o palco da decisão da Libertadores de 1981. Desta vez sem contar com a benevolência do juiz, as coisas ficaram complicadas para o Cobreloa. Artilheiro e considerado o melhor jogador da competição, Zico - que já havia marcado 9 vezes - anotou mais dois e deu a tão sonhada vitória ao Flamengo. A América, enfim, era rubro-negra.
O soco de Anselmo
Mas não bastava ao Flamengo vencer, era preciso lavar a alma da torcida. A poucos minutos do fim, com a partida já resolvida, o técnico Paulo César Carpegiani decide botar o atacante Anselmo no lugar de Nunes. Ao jovem de 22 anos, chamado às pressas para o jogo, somente uma instrução: derrubar Mario Soto. E assim foi. Anselmo nocauteou o zagueiro, provocou uma briga generalizada e virou ídolo.
No dia seguinte à partida, o jornalista João Saldanha vibrava neste JB com a cacetada no zagueiro chileno. Ele, que dizia estar com a violência do Cobreloa no primeiro jogo atravessada na garganta, afirmou que alertou a Zico e a Carpegiani que, se o rubro-negro voltasse a "abaixar a cabeça", perderia novamente.
"O time do Flamengo não podia afinar, já que não se tratava mais de futebol, tratava-se de uma briga (...) A paulada que o Andrade deu no cara foi, a meu ver, decisiva, pois dali em diante o jogo acalmou e parecia outra partida. Faltava a devolução ao Mário Soto, que não vinha jogando bola, apenas dava socos e pontapés para todos os lados. Já que o árbitro dentro de campo não tomava providências, alguém tinha que tomar. E o Anselmo se encarregou de dar o troco no zagueiro deles", avaliou em seu artigo Saldanha.
"O futebol do Flamengo é superior, nosso futebol é superior, mas não vamos levar para casa soco na cara, cusparadas e provocações gratuitas (...)E novamente eu volto a alertar: nunca devemos dar a primeira, mas dar o troco na hora certa é importante num jogo como este", concluiu.
Zico: foi a competição mais dura que joguei
Com a experiência de quem, em pouco mais de 20 anos de carreira, jogou duas Copas do Mundo e acumulou títulos e a idolatria de torcedores por onde passou, Zico lembra com saudades do tempo em que liderou o Flamengo rumo às suas maiores conquistas.
Em entrevista exclusiva ao Jornal do Brasil, o Galinho de Quintino fala sobre as dificuldades de disputar a Libertadores na década de 80, o polêmico duelo contra o Atlético-MG e sobre o soco de Anselmo. Ao contrário da torcida, Zico reprovou a atitude.
Além disso, o craque ainda analisa a última participação do Flamengo na Libertadores e fala do que o clube vai precisar para voltar a ser campeão, caso consiga se classificar para o torneio do ano que vem.
Flamengo x Atlético-MG: confusão e acusações
Uma das maiores polêmicas do torneio acontece ainda na primeira fase. Após terminarem empatados na liderança do Grupo 3, com 8 pontos, Flamengo e Atlético-MG fizeram um jogo extra, no Estádio Serra Dourada, em Goiânia, para definir quem avançaria às semifinais da competição. O Galo, que também contava com diversos craques da Seleção Brasileira, entrou em campo com a convicção de que poderia se vingar da derrota na final do Campeonato Brasileiro de 1980.
Mas isso não ocorreu. Depois que o árbitro José Roberto Wright expulsou o centroavante Reinaldo, que acabara de cometer falta por trás em Zico, os mineiros se descontrolaram, passaram a reclamar com veemência e a ser expulsos em série. Aos 37 minutos, já sem Éder, Reinaldo, Chicão, Palhinha e Cerezo - além do técnico Carlos Alberto Silva -, o Atlético-MG ficou com menos jogadores do que o permitido pela regra, e o Flamengo foi declarado vencedor. Para os atleticanos, que até hoje reclamam do episódio, o Rubro-Negro foi beneficiado no duelo.
O volante Andrade, que garantiu o título nacional de 1980 ao Flamengo ao salvar o que seria o gol de empate nos últimos minutos, mostra-se irritado com as acusações. Para ele, tudo não passa de uma tentativa de tirar o foco do fracasso do Galo. "O Atlético-MG tinha um belo time, mas não conseguiu manter a calma. Já havia todo um clima de rivalidade por causa da final do Brasileiro do ano anterior e eles vieram nervosos. Não tiveram competência para nos vencer e preferiram apontar um culpado do que admitir a própria falha", alfineta.
Zico também não vê fundamentos nas teorias conspiratórias. “O José Roberto Wright é uma pessoa idônea. Antes de o jogo começar, ele falou para mim e para o Cerezo [os dois capitães] que iria expulsar o primeiro que fizesse uma falta por trás. Nunca tinha visto isso, e decidi avisar aos companheiros. O Cerezo fez o mesmo. No jogo, não deu outra. O Reinaldo me derrubou e ele mostrou o vermelho. Aí perderam a cabeça”, conclui.
A campanha vitoriosa
Jogos: 14 | Vitórias: 8 | Empates: 5 | Derrota: 1
Gols pró: 23 | Gols contra: 11 | Artilheiro: Zico - 11 gols
Elenco
Goleiros: Raul e Cantarele | Laterais: Leandro, Junior, Carlos Alberto e Nei Dias | Zagueiros: Rondinelli, Marinho, Figueiredo e Mozer | Volantes: Andrade e Vítor | Meias: Adílio, Zico, Tita, Lico | Atacantes: Nunes, Anselmo, Chiquinho, Baroninho, Peu, e Fumanchu | Técnicos: Dino Sani e Paulo César Carpegiani
Os resultados
Flamengo 2 x 2 Atlético (MG)
Flamengo 5 x 2 Cerro Porteño (PAR)
Flamengo 1 x 1 Olímpia (PAR)
Flamengo 2 x 2 Atlético-MG-
Flamengo 4 x 2 Cerro Porteño (PAR)
Flamengo 0 x 0 Olímpia (PAR)
Flamengo 0 x 0 Atlético-MG
Flamengo 1 x 0 Deportivo Cali (COL)
Flamengo 2 x 1 Willsterman (BOL)
Flamengo 3 x 0 Deportivo Cali (COL)
Flamengo 4 x 1 Willsterman (BOL)
Flamengo 2 x 1 Cobreloa (CHI)
Flamengo 0 x 1 Cobreloa (CHI)
Flamengo 2 x 0 Cobreloa (CHI)
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